A inteligência dos neandertais podia ser tão comparável com a nossa, que o contato entre sapiens e neandertais foi constante e profundo.
Havia uma compatibilidade biológica e cultural fundamental entre a nossa espécie e a deles.
Apesar das diferenças superficiais, essas duas espécies ainda compartilhavam um ancestral comum relativamente recente, e foram capazes de se hibridizar.
arte: Julio Lacerda
Quando nossos ancestrais encontraram pela primeira vez essa outra espécie humana, vimos algo de tão familiar neles, que fomos capazes até mesmo de amá-los.
Sabemos hoje que muitas espécies humanas cruzaram entre si.
Não só sapiens e neandertais, mas também neandertais com denisovanos e sapiens com denisovanos!
Os denisovanos foram uma espécie mais aparentada com os neandertais do que com os sapiens que viveram onde hoje é a Ásia.
Muitas etnias humanas atuais carregam mais de 3% de DNA neandertal.
Na verdade, os únicos humanos que não tem nenhuma contribuição genética dos neandertais são as etnias subsaarianas, que permaneceram na África durante todo esse tempo.
Por essa mesma razão, esse é o grupo humano mais diverso geneticamente do planeta Terra, já que todas as outras etnias descendem de grupos humanos menores e mais recentes que saíram da África e exploraram todos os outros continentes.
Isso significa que esses cruzamentos não foram apenas ocasionais e pontuais, e sim tão constantes que formavam um verdadeiro fluxo genético entre as populações, que alterou ambas permanentemente.
Apesar do contato entre sapiens e neandertais ter ocorrido muito tempo atrás, mais de 300 mil anos no passado, antes mesmo dos neandertais clássicos, cerca de 50 mil anos atrás ele passa a se intensificar, na medida em que aparecem mais e mais rastros de sapiens na Europa.
O contato mais constante pode ter causado conflitos, mas até hoje não são reconhecidas evidências de combate entre as duas espécies.
As evidências para a hibridização, por outro lado, transbordam.
Conhecemos até mesmo indivíduos híbridos cuja composição de DNA neandertal de cerca de 9% indica que ele teve algum tataravô neandertal.
As populações neandertais, menores e mais espalhadas pelo continente, eram muito mais frágeis geneticamente, e pode ser que elas tenham sido lentamente incorporadas em uma população muito maior e crescente de sapiens ocupando permanentemente a Europa.
Talvez a extinção tenha sido mais uma diluição populacional do que um extermínio colonizador.
arte: Julio Lacerda
Se os milhares de anos de convívio de sapiens e neandertais na Europa foram capazes de criar uma língua e uma cultura comum, as últimas barreiras que separavam essas duas populações foram derrubadas.
Isso significa que talvez nunca tenha existido um “último neandertal”
Mas que cerca de 40 mil anos atrás, as populações de sapiens e neandertais na Europa já haviam se tornado indistinguíveis e formado uma humanidade nova.
Pode não ter sido a competição e sim a cooperação conosco que os extinguiu.
Hoje, as etnias nórdicas são as que carregam a maior porcentagem de genes neandertais, não coincidentemente, são conhecidos por terem muitos ruivos.
Neandertais eram muito mais do que homens das cavernas imbecis e primitivos, com uma corcunda nas costas e um porrete na mão, puxando uma mulher pelos cabelos.
arte: Tom Bjorklund
Eles eram caçadores, coletores, artistas, ferramenteiros, químicos, médicos e líderes espirituais.
A sua extinção foi uma perda irreparável, e é quase impossível imaginar como seria o mundo se ela não tivesse acontecido e se duas espécies humanas dividissem o planeta até o dia de hoje.
Talvez nossa maior sofisticação cultural seja mais porque nossas populações eram maiores e mais adaptáveis e com pouquíssimos tabus românticos e sexuais, do que resultado de qualquer vantagem biológica.