A luz transpunha-se entre as copas das árvores, o amanhecer na floresta finalmente havia alcançado o chão. Depois que parávamos a caminhonete na borda da floresta, seguíamos por uma picada silenciosa com os olhos e ouvidos atentos.
Procurar primatas não é uma tarefa fácil, ainda mais nas florestas do norte, onde as árvores alcançam facilmente os trinta metros de altura. O silêncio é irrompido pelos galhos movendo-se sob nossas cabeças, com os olhos semicerrados tentamos ver através das folhas, são apenas macacos pregos, mas pode significar que talvez a espécie que procuramos esteja perto.
Galhos se partem e sons ecoam pela floresta adentro. Macacos-aranhas, Sauins e Macacos pregos disputam as copas das árvores com tucanos e outras aves. Após três horas de caminhada, finalmente ouvimos um som que, à primeira vista, parece ser chuva. No entanto, são apenas frutos verdes caindo das árvores, e são eles, os cuxiús, devorando sementes.

Carlito Junior, autor do texto
Cuxiús são conhecidos como comedores de sementes, juntamente com Uacaris e Parauacus – que formam o grupo dos Pitheciines. Com uma dentição especializada para abrir os frutos e se alimentar das sementes, o fruto é posicionado atrás do dente canino inferior para que seja segurado enquanto as mandíbulas se fecham e quebram a casca sob pressão, e o que restam são as casca e bagos que chovem na floresta, sendo uma das maneiras que utilizamos para rastrear grupos de cuxiús.
Esses devoradores de sementes, ao contrário dos Macacos-prego e Macacos-aranha que se alimentam de frutas maduras, estão menos interessados em comer a polpa da fruta rica em carboidratos. Em vez disso, concentram-se nas sementes ricas em proteínas e lipídios encontradas no interior da fruta, que mastigam. Sendo um “desvio” interessante na ideia de um processo co-evolutivo dos primatas com as árvores, atuando na dispersão de sementes, que envolve a defecação, deixando cair, cuspindo ou regurgitando.
Pescadores de comunidades ribeirinhas nas margens da bacia do rio Trombetas, contam que se aproveitam da presença de Parauacus em igapós para pescar, já que os frutos que caem na água atraem peixes, tornando assim a pesca mais farta. A chuva de frutos verdes na floresta é uma marca registrada na minha experiência monitorando cuxiús, já que certa vez descansando em minha rede, fui acordado com dezenas de frutos se chocando contra o chão, e quando abri os olhos pude contar cerca de cinquenta animais cruzando os galhos acima da minha cabeça.
Existem cerca de cinco espécies de Cuxiús (Chiropotes). O seu habitat preferido são florestas altas e ao contrário dos grupos relativamente pequenos encontrados entre os Parauacus, os grupos de Cuxiús podem alcançar até 65 indivíduos. Eles estão organizados num sistema social de fissão-fusão, no qual o agregado de indivíduos que formam um grupo se divide em subgrupos temporários de tamanhos e proporções variados de machos e fêmeas, e depois se unem novamente. Esses pequenos grupos são úteis para otimizar a busca por comida, especialmente em épocas de seca, onde os recursos são escassos.
A seca prolongada da região norte além de afetar as populações de animais aquáticos, pode ter efeitos sob as populações de primatas com a falta de chuvas. Além de lidar com a realidade do avanço do desmatamento e caça, Cuxiús precisam encarar os efeitos das mudanças climáticas que afetarão a distribuição de diversas populações.
Entre as cinco espécies do gênero Chiropotes – C. albinasus; C. satanás e C. utahikae apresentam declínio, e enquanto C. Chiropotes apresenta estabilidade, C. sagulatus têm sua densidade populacional desconhecida, o que pode ser uma agravante, tendo em vista que uma de suas áreas de distribuição está situada na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, entre as bacias dos rios Trombetas e Nhamundá, contando com dez espécies de primatas que vivem UC concedida a exploração de recursos naturais em 2009, tendo com principal atividade a mineração.

C. chiropotes na Guiana Francesa. Foto de Allan Hopkins
Entre os aproximadamente 200 primatas da América Latina, quase 30% enfrentam ameaças de extinção. O gênero Chiropotes, do grupo Pitheciines, é o mais ameaçado. Em 2004, Liza M. Veigas propõe que alinhem o conhecimento ecológico e comportamental para que possam ser criados planos de conservação efetivos a longo prazo. Estudos comportamentais podem avaliar como a população responde aos fatores de perturbação.
Identificar os fatores que restringem o crescimento populacional requer compreender a interação entre a organização social, estratégias reprodutivas, comportamento variado e a densidade populacional, com a disponibilidade, distribuição e qualidade dos recursos ao longo do espaço e tempo.
Pesquisas mostram que sem corredores florestais saudáveis que permitam aos animais encontrarem um novo habitat, os primatas nativos da bacia amazônica sofrerão à medida que os impactos das mudanças climáticas piorarem. À medida que o clima muda, as condições ambientais adequadas para uma determinada espécie podem mudar de um lugar para outro, mas nem todas as populações serão capazes de alcançar o clima que mais lhe favorecem. Para se adaptar às mudanças climáticas, as espécies precisam se mover mais rápido do que as mudanças no clima.
No entanto, a destruição das florestas cria paisagens fragmentadas que dificultam a mobilidade das espécies e bloqueiam as migrações induzidas pelo clima. As espécies incapazes de se moverem, ficarão presas em bolsões de florestas possivelmente enfrentando extremos de temperatura, variações sazonais e condições além de sua adaptação.
Assim como diversas espécies amazônicas, os Cuxiús que naturalmente já possuem área de distribuição limitadas por barreiras naturais, terão que lidar com contração de suas florestas, enquanto o clima esquenta ainda mais o planeta.