Gigantes de fogo e o poder dos vulcões

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Era uma segunda-feira, onde um barulho tão alto quanto um tiro de canhão irrompeu os ares das Ilhas Maurício, mas não havia nenhum navio no horizonte. No Canal da Mancha as águas subiram de maneira que os marinheiros notaram a diferença. Enquanto o mundo sentia essas mudanças sutis, sem saber ao certo o que estava acontecendo, não imaginavam que era o resultado da morte de uma pequena ilha no estreito de Sunda, entre as grandes ilhas de Sumatra e Java na Indonésia. Foi em 27 de agosto de 1883, que a ilha de Krakatoa foi devorada pela explosão de um vulcão. Historicamente, a primeira menção ao nome Krakatoa foi por volta de 1681 pelo explorador holandês Johan Wilhelm Vogel, que escreveu sobre a ilha em seus registros. A etimologia do nome teria surgido da corrupção da palavra javanesa “Krakata,” que pode se referir ao som de um papagaio ou a um determinado tipo de planta.

Definitivamente a explosão do Krakatoa foi um evento que mudou nossas concepções sobre a força do planeta terra. Rompendo tímpanos de marinheiros que estavam a dezenas de quilômetros da ilha, a explosão leva o título de som mais alto já ouvido na história. No Oceano Índico, as embarcações navegavam as cegas com a quantidade de cinzas que chovia sobre as águas, o ar tinha tanta poeira, que o medo da asfixia trouxe desespero para os tripulantes. A enorme explosão lançou rochas e cinzas a até 100 quilômetros de altura. A água deslocada causou megatsunamis que engoliram vilarejos de toda costa de Java e Sumatra, matando cerca de 40 mil pessoas. 

As forças geológicas foram pouco compreendidas por muito tempo, a erupção do Krakatoa fez com que entendêssemos que o planeta era governado por forças globais. Descobertas das correntes de ar atmosféricas e a dinâmicas dos vulcões começaram a tomar escopo depois dos eventos avassaladores da explosão. Essas enormes estruturas geológicas são complexas, imparáveis, uma força antiga da natureza responsável pela extinção e do surgimento de diversos ecossistemas. Do grandioso círculo de fogo do pacífico até montanhas antigas onde deuses viveram, os vulcões contam parte da história do planeta e da humanidade.

Vulcões estão associados a criação da humanidade em diversos lugares. No Taiti, o deus Ta’aroa, usando seu imenso poder, criou as ilhas do Pacífico. Ele moldou as ilhas a partir do fundo do oceano, elevando-as para fora da água, acreditando-se que a atividade vulcânica fosse uma manifestação do poder divino. Antes mesmo dos cientistas baterem o martelo, os povos polinésios já reconheciam o poder dos vulcões de soerguer ilhas. 

Os vulcões nos fascinam. Fascinam porque são janelas através das quais pode-se enxergar o interior profundo da Terra, porque na tentativa de explicá-los, surgiram os mitos sobre mundos subterrâneo quentes e infernais.

Os vulcões eram oficinas enterradas, morada de ferreiros que fabricavam armas para deuses. O próprio nome “vulcão” tem origem no latim “Vulcanus”, que se refere ao deus romano do fogo, relâmpagos e dos ferreiros. O filho de Júpiter era a personificação das atividades vulcânicas, bem como as tempestades associadas a elas. Conhecido hoje como Monte Etna, a antiga morada de Vulcano, hoje é um dos vulcões mais ativos da Terra, com frequentes erupções que moldaram a paisagem ao redor.

Além de oficinas, os vulcões são portões para infernos em diversos lugares do planeta. Ao contrário das histórias gregas os rios guiavam heróis para o submundo, no resto do mundo as atividades vulcânicas eram passagens ardentes para o inferno. Na China, o Fengdu; Perdido no meio do deserto de Karakum, a cratera de Darvaza; O enorme vulcão Masaya no Nicarágua e muitos outros espalhados por aí.

A história de existir realmente um mundo abrasante debaixo dos nossos pés não é toda mentira. Realmente, quanto mais fundo nós vamos em direção ao centro da terra, mais quente fica. Assim como no filme “O Núcleo – Missão ao Centro da Terra”, onde cientistas viajam até o núcleo da terra para reativar a rotação do planeta, tirando toda a parte de ficção científica, no filme podemos ver que os cientistas precisam lidar com alguns problemas além do calor extremo. Hoje sabemos que a profundidades de 100 km ou mais – na astenosfera –, as temperaturas cheguem no mínimo a 1.300°C, o que é quente o suficiente para que as rochas comecem a fundir-se, formando mares de rocha derretida. Ou seja, é muito provável que as principais fontes de magma se originem nessa profundidade. 

Como o magma são rochas derretidas, têm menor densidade que as rochas que os produziram. Portanto, à medida que o magma se acumula, começa a subir para à litosfera – camada superior a astenosfera. O magma encontra seu caminho fraturando as rochas em zonas mais frágeis e por fim, parte do magma chega à superfície e entra em erupção como lava. Um vulcão nada mais é que uma elevação ou uma montanha construída pela acumulação de lavas e de outros materiais eruptivos. Eles estão espalhados pelo mundo inteiro, muito frequentes em zonas de encontros de placas tectônicas, outros estão isolados no que chamado de pontos quentes de vulcanismo.

Costumamos a achar que existe apenas um tipo de vulcão ou erupção, mas não, as feições do relevo de um vulcão quando ejeta material variam de acordo com as propriedades do magma, sua composição química e conteúdo gasoso, tipo de material (se é lava ou piroclastos) e condições ambientais sob as quais ele entra em erupção – na terra ou submerso. As formas de relevo vulcânico também dependem da taxa com que a lava é produzida e o sistema de encanamento que a leva para a superfície. As famosas montanhas vulcânicas em forma de cone são exemplos de geossistemas com um conduto central que expelem a lava ou material piroclástico por uma chaminé. 

No meio do pacífico, o Maunoa Loa se ergueu no que viria a ser chamado de Havaí posteriormente. Um vulcão que chamamos de escudo, erguido por sucessivos derrames de lava basáltica, formando os famosos rios de lava, que impressionam não só pela sua temperatura que beira os 900°C, mas também pela velocidade. Por conta da sua temperatura alta e seu baixo teor de sílica, a lava basáltica é fluída e escorre por grandes distâncias, podendo proporcionar correntes com velocidades de até 100km/h. Embora esteja a somente 4 km acima do nível do mar, ele é a estrutura mais alta da Terra: medido a partir do fundo oceânico, o Mauna Loa tem 10 km de altura, ultrapassando os 8km do Monte Everest.

Se em alguns casos as erupções são derrames de lava sem uma grande explosão, em outros, as erupções rebentam de maneira catastrófica. Costumamos associar essas explosões a formações de lavas andesíticas, que por ter temperaturas menores e o fluxo lento, formam massas e caroços, que congestionam a tubulação central de um vulcão, acumulando gases, que depois de muita pressão acumulada, explodem no topo dos vulcões.  Elas geralmente produzem domos vulcânicos, que são massas arredondadas de rochas com vertentes abruptas. Algumas das explosões vulcânicas mais violentas da história vieram de explosões de lavas andesíticas, especialmente quando o magma quente e cheio de gases encontra água subterrânea ou água do mar, gerando quantidades gigantescas de vapor superaquecido, rendendo em erupções destrutivas, como a da Krakatoa. 

Algumas explosões, como o Monte Uzen, no Japão, em junho de 1991, liberaram o que chamamos de fluxo piroclásticos, um tipo particularmente espetacular e devastador de erupção, ocorrem quando a cinza quente e gases são ejetados como uma nuvem ardente. A famosa Pompeia, foi apagada do mapa, não por um intenso fluxo de lava, mas pelo nuvem de cinzas que desceu do Vesúvio em 79 d.C. Outro evento não tão distante, onde uma nuvem ardente com temperatura de 800°C, culminou em uma avalanche de gás asfixiante e de cinza vulcânica, que em menos de um minuto, tragou a cidade Saint Pierre na ilha da Martinica, matando 29 mil pessoas em 1902. Hoje sabemos que o Monte Pelado em Martinica representa tanto perigo para os habitantes de St. Pierre quanto o Vesúvio para os moradores de Nápoles.

Mas ao contrário do que nós pensamos, as maiores erupções vulcânicas não vêm de chaminés clássicas, claro que elas são tão destrutivas quanto, mas não podemos comparar com as assustadoras erupções fissurais. Sangrando de grandes fraturas verticais, esse tipo de erupção pode se estender por quilômetros de distância. Uma erupção fissural de tamanho moderado ocorreu em 1783 em um segmento da Dorsal Mesoatlântica exposto na Islândia. Uma fissura de 32 km de comprimento abriu-se e derramou cerca de 12 km cúbicos de basalto, uma quantidade suficiente para cobrir Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

Esse tipo de erupção tem como principal característica grandes derrames basálticos, que costumam formar grandes planaltos basálticos. E foi sabendo disso que pesquisadores talvez tenham encontrado o culpado pela maior extinção que a vida já presenciou no planeta. No fim do Permiano, há 251 milhões de anos atrás, a vida quase encontrou seu fim, quando cerca de 95% das espécies haviam sido apagadas da terra. Talvez não seja coincidência que a idade de um enorme depósito de platô de basalto na Sibéria também tenha 251 milhões de anos. 

Na Sibéria, fissuras vulcânicas expeliram cerca de três milhões de quilômetros cúbicos de lava basáltica, cobrindo uma área de quatro milhões de quilômetros quadrados, como se os estados do Amazonas, Pará, Mato Grosso e Roraima estivessem afogados em um grande mar de lava durante 1 milhão de anos.

 

Algumas hipóteses entendem que a erupção possa ter injetado quantidades enormes de gases de dióxido de carbono e dióxido de enxofre na atmosfera. Esse mesmo dióxido de carbono colocou o planeta nos trilhos para um colapso climático. Mas ainda assim, outros trabalhos são necessários para testar todas essas hipóteses. Outro exemplo de que essas formações possam fornecer informações importante sobre o passado, são os basaltos do Decão, na Índia, que datam de 65 milhões de anos, e é possível esse derrame de lava que os formou tenha acentuado a extinção em massa dos dinossauros. 

Depois de entender os enormes impactos que os vulcões têm no planeta, dos eventos devastadores que eles lançam sobre os ecossistemas, ainda nos perguntamos: como a humanidade conviveu tanto tempo com esses gigantes? 

Digo, apesar de engolirem cidades inteiras no passado, as pessoas ainda insistem em viver em seus pés. Entender os processos geosistêmicos dos vulcões não é de interesse apenas aos geólogos acadêmicos, mas também dos povos que dividem o espaço com eles. As erupções vulcânicas têm um lugar proeminente na história humana. Histórias como o do continente perdido de Atlântida pode ter surgido a partir da explosão de uma ilha vulcânica no Mar Egeu, chamada hoje de Santorini. Os detritos vulcânicos e os tsunamis que originaram dessa explosão devoraram dezenas de cidades e assentamentos que viviam as margens no Mediterrâneo Oriental. 

Vulcões representa um impacto tão grande no planeta, que até o mesmo o clima é afetado. Grandes erupções podem injetar gases na atmosfera a dezenas de quilômetros acima da Terra. Por meio de várias reações químicas, os gases formam uma névoa em suspensão no ar que apresenta dezenas de milhões de toneladas de ácido sulfúrico. Esse aerossol pode bloquear a radiação solar, impedindo que uma parte dela chegue à superfície, e, dessa forma, rebaixando as temperaturas glob um ou dois anos. A erupção do Monte Pinatubo, uma das maiores erupções explosivas do século XX, liberou quase 20 Mega toneladas de dióxido de enxofre na estratosfera, que se oxidou em aerossóis de sulfato, o que causou um resfriamento global dos oceanos de cerca de 0,3 °C e prolongou um evento El Niño. 

Em 1815, a erupção de Tambora na Indonésia injetou três vezes mais dióxido de enxofre na estratosfera, o que produziu um resfriamento global de 0,7 °C, com profundos impactos ambientais, incluindo o “ano sem verão” em 1816. Após a erupção de Tambora, o resfriamento anômalo e a redução da precipitação provocaram a quebra de safra, a fome e o surto de doenças como a cólera na América do Norte, Europa e Ásia. A erupção do supervulcão Toba há 70 mil anos atrás foi o maior desastre natural conhecido nos últimos 2,5 milhões de anos.

Ele lançou até 100 vezes mais dióxido de enxofre na estratosfera do que o Monte Pinatubo, e simulações de modelos climáticos sugerem um resfriamento global de até 9 °C e uma redução na precipitação que impactou ecossistemas inteiros. Devido à escala e magnitude de tais efeitos vulcânicos de inverno, várias supererupções tiveram uma pegada distinta na história do planeta terra. 

O impacto dos vulcões nas vidas humanas tem um passado que assusta. Dos cerca dos 500 vulcões ativos na terra, um entre cada seis já ceifou vidas humanas. Só nos últimos 500 anos, mais de 250 mil pessoas foram mortas por erupções vulcânicas. Entre as maiores erupções desde o ano 1500, a maioria das mortes se deve a efeitos indiretos, como fome e doenças. Em junho de 1783, o vulcão Laki, na Islândia, iniciou uma sequência de erupções de 8 meses de duração, incluindo 10 erupções explosivas e emissões contínuas na baixa atmosfera. 

O evento teve consequências de longo alcance: poluição do ar e chuva ácida dizimaram plantações na Islândia, contribuindo para uma fome responsável pela morte de 60% do gado da ilha e 20% da população humana em um ano. Na Europa, uma camada de “neblina seca” se instalou sobre o continente, levando a problemas respiratórios e outros problemas de saúde para milhões.

Em 1985, depois de 96 anos dormindo, a Colômbia presenciou a erupção do Nevado Del Ruiz, mas não foi a erupção que matou diretamente. À medida que fluxos piroclásticos irromperam da cratera do vulcão, eles derreteram as geleiras da montanha, enviando quatro fluxos de lama intensos – chamados de lahars, que engoliram a cidade de Armero, matando mais de 20 mil de seus quase 29 mil habitantes. As imagens da tragédia circularam o mundo inteiro, levantando questões, que apesar do governo ter recebido informações da erupção, eles não evacuaram a região, deixando a tragédia de Armero marcada na história.

Embora representem o medo de uma tragédia eminente, existem benefícios para as populações que vivem próximas aos vulcões. 

Por depósitos vulcânicos serem regiões enriquecidas em magnésio e potássio, ambientes vulcânicos atraem fazendeiros no mundo inteiro por serem locais bons para agricultura. Quando rochas vulcânicas e cinzas sofrem com efeitos das chuvas e ventos, esses elementos são liberados, produzindo solos extremamente férteis. Camadas finas de cinzas atuam como fertilizantes naturais, produzindo colheitas maiores nos anos seguintes de uma erupção. Em resposta a erupções frequentes, alguns fazendeiros adaptaram suas plantações e estilos de agricultura para se adequarem a diferentes tipos de cinzas.

As explosões vulcânicas moldam a paisagem, às vezes removendo terra e às vezes adicionando a ela. Na erupção do Eldfell em 1973 na Islândia, o que parecia ter devastado parte do litoral da ilha de Heimaey, na verdade surpreendeu, já que quando a lava parou de fluir meses depois, ela aumentou a área de terra em mais de 2km². 

Vulcões também fisgam a atenção de milhões de turistas ao redor do mundo. No final de março de 2021, milhares de pessoas viajaram para fotografar o derrame de lava pela cratera do vulcão Fagradalsfjall (FAH-GRAN-DALS-FIÁT), que entrou em erupção após ficar adormecido por quase 800 anos. Turistas japoneses frequentam vilas próximas a vulcões desde o século 8. As ruínas da antiga cidade romana de Pompeia, preservada por um manto de cinzas quando o Monte Vesúvio entrou em erupção em 79 d.C, atrai turistas todos os anos.

Há 100 vulcões de alto risco no mundo, e cerca de 50 entram em erupção a cada ano. As erupções vulcânicas não podem ser evitadas, mas seus efeitos catastróficos podem ser significativamente reduzidos se a ciência for aliada às políticas públicas. Os progressos da vulcanologia nos permitem identificar os vulcões mais perigosos do mundo e entender seus riscos potenciais. 

Mas as erupções vulcânicas podem ser previstas? Sim, até certo ponto. 

O monitoramento pode detectar sinais como terremotos e emissões de gases que avisam sobre erupções iminentes. Se o povo de Pompeia tivesse identificados os sinais, talvez a história teria sido diferente. Entender os sinais que os vulcões dão, permite com que as pessoas em situação de risco podem ser retiradas da área. Os cientistas que estavam monitorando o Monte Santa Helena puderam avisar as pessoas antes de sua erupção em 1980. Um aparato governamental foi deslocado ao local para avaliar os alertas e emitir e reforçar os comandos de evacuação, assim, poucas pessoas foram mortas.

Outro alerta exitoso foi emitido poucos dias antes de uma erupção cataclísmica do Monte Pinatubo, nas Filipinas, ocorrida em 15 de junho de 1991. Duzentas e cinquenta mil pessoas foram retiradas da área. Dezenas de milhares de vidas foram salvas dos lahares que destruíram tudo que estava no caminho. As únicas vítimas foram pessoas que desrespeitaram a ordem de evacuação. Em 1994, os 30 mil residentes de Rabaul, em Papua-Nova Guiné, foram retirados das áreas de risco com sucesso, por terra e por mar, horas antes da erupção de dois vulcões localizados nos dois lados da cidade, a qual foi em grande parte destruída ou danificada.

A magnitude das erupções vulcânicas nos lembra da incrível força da natureza e de nossa própria vulnerabilidade diante de eventos tão catastróficos. Desde a explosão devastadora de Krakatoa em 1883, que moldou nossas percepções sobre os poderes geológicos da Terra, até as últimas catástrofes que conseguimos evitar com a ciência aliada a políticas públicas, essas manifestações da natureza nos ensinam valiosas lições. São estruturas que encantam os olhos, são registro do tempo profundo, são deuses, portões do inferno, são destruição e vida. 

Vulcões são o jeito do planeta dizer que está vivo.

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