O Brasil é conhecido mundialmente por suas florestas exuberantes, que preenchem a maior parte do continente sul-americano. A maior selva tropical do mundo ao norte e a segunda maior do continente margeando toda a costa leste.
Juntas, elas abrigam uma biodiversidade jamais vista em outro lugar do planeta. As bromélias são o exemplo perfeito para entender a complexidade dos processos naturais e como nossas noções do que é a natureza minaram toda e qualquer alternativa de conservação do mundo natural.

As bromélias fazem parte da vida cotidiana da sociedade humana, assim como tudo na natureza não está dissociado da história humana. Com as bromélias não é diferente, já que o ambiente que elas constroem afeta a qualidade das nossas florestas, e nós também alteramos a dinâmica natural delas, como no caso do abacaxi, por exemplo.
A estratégia de vida epifítica e a formação de tanques de água são algumas das principais inovações evolutivas que facilitaram o sucesso de muitas espécies de bromélias. As folhas de muitas espécies se sobrepõem na base e formam tanques onde as plantas armazenam a água da chuva.
A capacidade de acumular água e nutrientes permite que bromélias selvagens e ornamentais formem microecossistemas aquáticos, abrigando diversos conjuntos de espécies animais, sendo a base para várias interações ecológicas. Portanto, as bromélias são exemplos vivos da complexidade e das contradições escondidas na natureza.
A Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN inclui 146 espécies de bromélias, das quais 13 estão criticamente ameaçadas. As principais causas do declínio das populações de bromélias e da perda de espécies são a degradação e perda de habitats florestais, mudanças climáticas e espécies invasoras.
A perda de bromélias pode significar o desaparecimento de várias outras espécies que compartilham o mundo com essas plantas.
Um microcosmos composto por bactérias, plantas, fungos, invertebrados e vertebrados. As bromélias facilitam o crescimento de outras plantas e microrganismos, servindo como plantas nutrizes. Por exemplo, as dunas costeiras recebem nutrientes e matéria orgânica acumulada pela bromélia Vriesea friburgensis, favorecendo o estabelecimento de outras espécies vegetais como Eupatorium casarettoi e Tibouchina urvilleana.
Além disso, as caixas d’água das bromélias são habitats ideais para a germinação de sementes de algumas espécies, como Clusia hilariana
A atividade fungicida de algumas bromélias também pode influenciar a comunidade microbiana circundante. Por exemplo, a bromélia-tanque Bromelia pinguin hospeda basidiomicetos, que alteram os ciclos de nutrientes do solo e a diversidade de comunidades microbianas e fúngicas.
As bromélias contribuem para a diversidade genética dos animais e plantas que hospedam, facilitando sua especiação alopátrica. Os habitats formados por broméliastanque favorecem a diversificação e o endemismo de alguns grupos, como ostrácodos do gênero Elpidium, besouros carabídeos do gênero Platynus.
As bromélias facilitam a disponibilidade e redistribuição de nutrientes através dos mundos aquáticos que elas formam. Além disso, plantas aquáticas carnívoras associadas às bromélias, como Utricularia cornigera e Utricularia nelumbifolia, fornecem matéria orgânica ao microecossistema das bromélias.

As formigas Camponotus femoratus e Pachycondyla goeldii realizam associações mutualísticas denominadas mirmecotrofia, que fornecem nitrogênio para a bromélia Aechmea mertensii através da raiz da planta.
Os ciclos de carbono e nitrogênio associados às bromélias podem ser fortemente influenciados pela presença de libélulas e suas interações com outros organismos. Elas podem influenciar no ciclo hidrológico da floresta, pois as bromélias têm maior capacidade de armazenamento de água do que outras epífitas.
Por esse motivo, reduzem o escoamento pelo caule e, em seguida, aumentam o armazenamento de água dentro das florestas. Além de contribuir para a regulação do clima através da captura e armazenamento de carbono.
Essas plantas únicas, que se escondem nas partes mais úmidas das florestas tropicais, nos mostram que um organismo não é simplesmente um programa escrito em seu DNA que irá se desdobrar, mas sim o reflexo das interações externas que ele experimenta. Richard Lewontin já dizia que “os organismos não experimentam nem se adaptam a um ambiente, eles o constroem”.
Portanto, quando uma bromélia cresce em uma árvore e acumula água da chuva, não se trata meramente da resposta às condições apropriadas. O desenvolvimento dela pressupõe uma árvore, tanto quanto a morfologia da bromélia pressupõe água da chuva.
Os ambientes são tanto produto dos organismos quanto os organismos são do ambiente. Na contramão da ecologia tradicional, que vê os organismos como atores, cumprindo papéis ecológicos onde o ambiente é um enorme palco teatral, a dialética nos mostra como as contradições intrínsecas aos processos naturais são responsáveis pela grande complexidade que temos dificuldade em entender.
O mundo físico oferece apenas as circunstâncias a partir das quais os ambientes podem ser criados. É quase impossível descrever qual o ambiente de uma única espécie de bromélia, tendo em vista que, ao mesmo tempo que ela está experimentando a floresta, ela é o ambiente de dezenas de outras espécies, que estão todas interconectadas.
Como podemos delimitar o foco de conservação de uma espécie, se nossas noções básicas de como funciona a natureza estão todas reduzidas, atreladas à ideologia dominante de determinismo biológico e estaticidade do mundo.
Até mesmo fenômenos físicos que acreditávamos estar em uma condição externa preexistente são moldados pelos organismos. Quando olhamos para o fator da temperatura, à primeira vista, parece ser uma condição que não pode ser afetada. Mas em uma floresta com centenas de bromélias, a temperatura é diferente em uma floresta sem bromélias. Até mesmo dentro das próprias plantas, cada espécie de bromélia pode ter uma condição de temperatura diferente do que vai ser o ambiente para outro organismo.
À medida que uma espécie de bromélia evolui em resposta à seleção natural em seu ambiente atual, o mundo que ela constrói em torno de si mesma é ativamente alterado. A interpretação reducionista que prevalece hoje de um mundo estático está diretamente atrelada à ideologia dominante — “sempre foi assim, não vai mudar” — mantra repetido diversas vezes em tempos de mudanças sociais.

Como podemos lidar com as “mudanças ambientais” se, primeiro, “o” meio ambiente sequer existe, e, segundo toda espécie está constantemente construindo e destruindo o mundo que habita? Nossas noções de conservação extremamente limitadas nos deixaram de mãos atadas enquanto ainda não conseguimos compreender o que o desaparecimento de uma simples espécie de bromélia pode significar para uma floresta.
A profunda complexidade dos processos naturais não pode ser compreendida, a não ser pelas lentes da dialética. Enquanto isso, nossa biodiversidade erode diante de nossos olhos. Estarrecidos, encaramos a destruição sem entender que o desaparecimento de uma floresta tropical é uma tragédia cujas proporções ultrapassam a compreensão ou concepções humanas, que estão reféns de uma ideologia que prefere um mundo preso no tempo, do que um mundo onde os ventos da mudança são iminentes.