O Dilema do Herbívoro: nunca é nitrogênio o suficiente

Hippos Fighting - Serengeti Wildlife Conservation Area, Safari, Tanzania, East Africa

Vivemos por muito tempo sem entender ao certo como funcionava a dinâmica dos seres vivos, e foi apenas nas últimas décadas que conseguimos desvendar que os organismos são mais do que amontoados de matéria. De todos os 25 elementos químicos essenciais para a manutenção dos sistemas vivos, quatro deles são utilizados em grandes quantidades – carbono (C), oxigênio (O), hidrogênio (H) e, claro, o nitrogênio (N). O curioso é que, mesmo que o nitrogênio componha 80% da atmosfera, ele ainda assim é um componente escasso de ser encontrado.

O problema desse paradoxo é simples de resolver: o nitrogênio encontrado na atmosfera precisa ter sua química alterada para ser utilizado pelos organismos.  Imagine que você é uma planta em meio a uma floresta, você precisa fazer fotossíntese, um processo inerente aos vegetais. Então significa que você tem habilidade de capturar dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e combinar com água para produzir açúcar – nessa equação suas necessidades de carbono, hidrogênio e oxigênio já foram sanadas, mas e agora? Como você vai conseguir o nitrogênio?

Esse nitrogênio entra no sistema das plantas basicamente através da reciclagem de nutriente, ou seja, quando um organismo morre, ele é quimicamente despedaçado por bactérias e fungos que se escondem no solo – é o que na escola nós aprendemos como decompositores da teia alimentar. Uma vez que esse nitrogênio já está mais perto de você, são suas raízes que farão essa ponte com as bactérias. Por meio de associações, esse nitrogênio é absorvido e utilizado nos seus processos metabólicos. 

Não tem como escapar da necessidade do nitrogênio, ele está intrinsicamente ligado aos processos basais nos organismos. E as plantas acabam transmitindo esse problema para o restante da cadeia alimentar. Agora imagine que você é uma gazela e está sempre se alimentando de material vegetal pobre em nitrogênio, mas que, ainda assim, possui altas necessidades desse elemento no corpo. 

Agora o você gazela observa um guepardo, que tem uma excelente correspondência entre suas necessidades nutricionais e a composição de sua comida, enquanto você está sempre lutando para extrair nitrogênio suficiente de sua comida vegetal pobre desse nutriente para compensar a discrepância entre a composição da planta e suas necessidades nutricionais. 

“O dilema do herbívoro” então é: como transformar uma dieta baixa em nitrogênio em um estilo de vida rico desse mesmo nutriente? 

O dilema do herbívoro é muito menos notado pelas pessoas em comparação com a luta para se alimentar dos carnívoros. Grandes caçadas e filhotes para alimentar compõe narrativas incríveis que prendem nossa atenção. Enquanto isso os herbívoros estão lá, pastando em campos imensos e verdejantes, salvo algumas exceções de herbívoros migratórios que enfrentam desafios enormes para chegar a sua área de alimentação. 

A estratégia típica dos herbívoros para superar deficiências de nitrogênio na dieta é comer muito. Pense em um veado, mastigando incessantemente; compare isso com um bando de lobos, passando a maior parte do tempo procurando potenciais presas que na maioria das vezes acabam em caçadas sem sucesso.

Pensemos em lagartas e borboletas/mariposas, são os mesmos organismos em estágios de vida diferentes. Lagartas são basicamente pequenos processadores de matéria orgânica, uma máquina de desfolhar árvores inteiras, enquanto as borboletas/mariposas são o estágio reprodutivo. Lagartas possuem os mais variados tipos de adaptações que podemos imaginar para defesa, como estruturas urticárias e associações com outros organismos que as defendem – como formigas. 

Vamos tomar como exemplo uma história que ocorre do outro lado do pacífico, na Austrália. Lá, se viramos nossos olhos atentos aos eucaliptos, conseguimos ver a relação formiga-lagarta que ocorre entre uma borboleta-azul australiana (Ogyris genoveva), e suas formigas auxiliares, várias espécies do gênero Camponotus.

São nos galhos dos eucaliptos que as lagartas se alimentam de viscos que parasitam as árvores. Durante o dia, elas se escondem em galerias imensas no solo construídas pelas formigas debaixo das árvores, e é aqui que as formigas cuidam delas durante o dia, quando é perigoso se alimentar exposto nas folhas. Quando a noite cai, as lagartas saem do abrigo e começam a escalar as árvores em busca do alimento, mas elas não estão sós. As formigas as acompanham como cães de pastoreio, impedindo com que sejam predadas por outros animais.

As lagartas se alimentam durante toda a noite, e ao final são levadas de volta as galerias, como se fossem apenas gado sendo conduzido por fazendeiros – e assim como um fazendeiro cuida de seu gado em troca de leite, as formigas cuidam das lagartas em troca de suas secreções ricas em aminoácidos. Então as lagartas acabam sacrificando sua reserva de nitrogênio para compensar as formigas. 

Sabemos que a exigência de nitrogênio também moldou profundamente a evolução da escolha de plantas hospedeiras em um grupo específico de borboletas – os Licenídeos. Na agricultura, esse grupo é conhecido por sempre estar presente em leguminosas – plantas que comumente possuem associações com bactérias fixadoras de nitrogênio – fazendo com que sejam ricas nesse elemento. 

O dilema do herbívoro pode ser resolvido de diversas maneiras, se alimentar o bastante para garantir um suprimento mínimo de nitrogênio, ou possuir adaptações surpreendentes como relações entre espécies que, ainda que permitam que esses herbívoros possam correr atrás do nitrogênio que tanto precisam, nunca é o suficiente.

Esse texto foi baseado e traduzido da obra “In the light of Evolution”.

PIERCE, NAOMI E.; BERRY, ANDREW. The herbivore’s dilemma: never enough nitrogen. In the Light of Evolution: Essays From the Laboratory and Field Roberts and Company, Colorado, USA, p. 121-133, 2011.

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