Clonar mamutes pode frear o aquecimento global?

Parque do pleistoceno

Acredite se quiser, mas um projeto chamado “Parque do Pleistoceno” Na Sibéria está recriando o ecossitema que existiu ali mais de 12 mil anos atrás com o objetivo de preservar o permafrost!

Arte de Lucas Mateus

O Mamute lanoso foi o animal mais carismático e culturalmente relevante da era do gelo.

Ele dominou o ecossistema que existia onde hoje são as florestas temperadas e a tundra ártica no hemisfério norte, durante quase 2 milhões de anos.

Mamutes lanosos estiveram presentes durante 98% da história da humanidade, desaparecendo em seu último refúgio há aproximadamente 4 mil anos, quando as pirâmides do Egito tinham quase 600 anos de idade.

Uma empresa já recebeu o equivalente a quase 1 bilhão de reais pra trazer esse bicho de volta a vida, e ela tem recebido dinheiro até mesmo da CIA pra isso.

A empresa de biotecnologia Colossal, sediada em Dallas, Texas, pretende, por razões semelhantes, desextinguir tanto o mamute lanoso quanto o Lobo da Tasmânia, o Tilacino, carnívoro marsupial endêmico da Austrália, extinto em 1938.

Mas também o Dodô, pombo gigante endêmico das ilhas Maurício, no oceano índico, extinto em 1690 por uma combinação da caça humana e competição com espécies invasoras.

Apesar de serem espécies completamente separadas, o mamute lanoso compartilha 99% do DNA com o elefante asiático, seu parente mais próximo.

Outras adaptações ao frio além das grossas camadas de pelo, são uma camada de gordura abaixo da pele e orelhas menores pra reduzir a perda de calor.

Então as diferenças genéticas são pequenas, mas essas são as adaptações cruciais para uma vida abaixo de zero, sem as quais, os elefantes asiáticos sofreriam intensamente e não seriam capazes de sobreviver.

Existiam algumas espécies de mamutes, mas nós estamos falando da mais bem distribuída e bem sucedida, Mammuthus primigenius, o mamute lanoso.

George Church é um biólogo da escola de medicina de Harvard, nos EUA.

Ele trouxe a ideia de ressuscitar os mamutes em 2013, desde então, passou mais de oito anos tentando trazer investidores para a ideia.

Para ele, o ponto de partida óbvio é o DNA já sequenciado dos mamutes lanosos.

Segundo a CNN

“Church tem estado na vanguarda da genômica, incluindo o uso de CRISPR, ferramenta revolucionária de edição de genes descrita como uma reescrita do código da vida para alterar as características das espécies vivas.

a equipe de pesquisa analisou os genomas de 23 espécies vivas de elefantes e mamutes extintos.

Os cientistas acreditam que precisarão programar simultaneamente “mais de 50 mudanças” no código genético do elefante asiático para dar a ele as características necessárias para sobreviver e prosperar no Ártico.

A equipe também planeja tentar realizar modificações para que o animal não tenha presas, de modo que não seja alvo de caçadores de marfim.”

O DNA completo dos mamutes lanosos terminou de ser sequenciado em 2015, a partir de 10 carcaças que foram recuperadas na ilha de Wrangel, o último refúgio dos mamutes.

Um problema envolvendo a clonagem em massa de mamutes, é: onde eles vão ser gestados?

Existem duas opções e nenhuma delas é simples.

A primeira é usar o útero de elefantas vivas, o que poderia envolver um certo grau de crueldade e exploração, que são admitidas por Church.

A segunda e mais cara, seria utilizar úteros artificiais para gerar embriões do zero.

Essa tecnologia existe, mas ainda está longe da perfeição, e precisa de mais pesquisa e tempo para ser considerada efetiva.

Mas o permafrost está derretendo rápido, e se demorar muito, pode ser tarde demais.

O que faz com que as elefantas asiáticas sejam ainda, as melhores candidatas a mães de híbridos pré-históricos.

Mas porque exatamente essas pessoas estão interessadas no mamute e como eles podem nos ajudar a frear a crise climática e ecológica?

Bom, se tem ALGUÉM nesse mundo que realmente precisa de um mamute, esses são Sergey e seu filho, Nikita Zimov.

O que eles estão fazendo na Rússia, é tentar criar o ecossistema que existia ali na era do gelo, introduzindo milhares de herbívoros que transformam florestas em pastagens.

O parque do pleistoceno.

Tudo isso para frear o derretimento de permafrost – um problema que todos nós deveríamos nos preocupar muito mais.

Permafrost é um solo permanentemente congelado, com muitas vezes, dezenas de metros de profundidade.

Ele é formado quando camadas sucessivas de grama se sobrepõem, subindo uma na outra, e são congeladas antes de se decompor.

Isso faz com que esse solo tire carbono da atmosfera e estoque ele na forma de matéria orgânica congelada.

O problema é que quando ele descongela, ele literalmente apodrece, liberando uma quantidade imensa de CO2 e metano na atmosfera.

Esses são justamente os gases que causam o aquecimento, que derrete mais solo, que libera mais gases, que aquece mais ainda, e perpetua um feedback positivo, um ciclo vicioso de derretimento que pode desorganizar todo o clima da Terra.

E hoje, existem estimadamente 1 trilhão de toneladas de gases estufa estocadas na forma de permafrost.

Pra ter ideia do quanto é isso: é mais do que duas vezes a quantidade de carbono armazenado em todas as florestas do planeta.

O permafrost é uma bomba relógio climática, e nós podemos estar ficando sem  tempo.

Segundo a Sputinik Brasil:

“O objetivo do projeto é substituir os ecossistemas modernos de baixa produtividade com pastos muito produtivos com um ciclo de rotação biológica de alta velocidade e maior diversidade de animais.

Os primeiros experimentos de reassentamento de animais começaram em 1988.

Atualmente, o parque tem uma área cercada total de 20 quilômetros quadrados e abriga nove espécies de grandes herbívoros: rena, cavalo de Yakútia, alce, bisonte-das-planícies, bisonte-europeu, boi-almiscarado, iaque,  vaca da Calmúquia e ovelha.”

Mas como a presença da megafauna mantém o solo congelado?

A estepe de mamute era o maior bioma do mundo terrestre, antes de colapsar.

Ele ocupava grande parte da América do Norte, Europa e Ásia, onde hoje ficam as florestas boreais.

Essas florestas de pinheiros tem uma baixa diversidade biológica porque poucos animais conseguem comer as folhas desse tipo de árvore, e como vimos, até 10 mil anos atrás, era bem diferente.

Animais grandes pisoteiam o solo, matam brotos de árvores, derrubam arvores jovens, e abrem espaço para que a grama cresça.

A grama, diferente das folhas duras dos pinheiros, é o alimento preferido desses animais.

Quanto mais grama, mais herbívoros, e quanto mais herbívoros, mais grama.

A grama cresce muito rápido no verão, associando átomos de carbono atmosférico na sua biomassa, e no inverno, parte dela morre e congela ao invés de se decompor.

Uma nova camada de grama cresce em cima da camada orgânica compactada, estocando carbono na forma de matéria orgânica congelada e compactada.

Essa relação simbiótica desapareceu com a extinção da megafauna, e desde então, as florestas cresceram e se tornaram um grande “deserto verde”.

Justamente por esse sistema ser tão eficiente em aprisionar carbono atmosférico, que ele se torna uma bomba quando derrete e esse material é decomposto.

É por isso que uma ideia maluca como o parque do pleistoceno pode funcionar.  O objetivo é usar os animais como engenheiros de ecossistemas.

E como isso ajuda a conter o derretimento do solo congelado?

Por incrível que pareça, a neve é um ótimo isolante térmico.

Todo inverno, a neve forma uma camada de vários metros sobre o permafrost, isso faz com que o solo não congele tão profundamente, porque dificulta as trocas entre o solo e o ar.

Enquanto a atmosfera está a -40 graus, o solo pode suportar temperaturas de -5 isolado pela neve.

Mas quando os animais pisoteiam a neve e escavam a procura de comida, eles destroem a camada isolante, e permitem que o solo congele propriamente, atrasando o derretimento no verão. Segundo Nikita Zimov:

“existem duas maneiras de reduzir o efeito isolante da neve, ou passamos uma escavadeira no ártico inteiro, ou deixamos os próprios animais fazendo o trabalho.”

O Solo isolado pela neve derrete rapidamente quando chega o verão, já o que foi compactado, fica permanentemente congelado e muito menos vulnerável ao derretimento.

Os experimentos com o parque do pleistoceno iniciaram ainda na era soviética, quando cavalos selvagens foram introduzidos.

Esses cavalos foram uma ótima primeira escolha, porque eles já foram um dia, os animais mais comuns dessa área.

Alguns anos depois, a população já era grande o suficiente para crescer sem a ajuda dos seres humanos.

Ainda é necessário derrubar muitas árvores para abrir espaço pra grama, porque animais pequenos não conseguem derrubar árvores grandes.

E é aí que entra o mamute.

Na Savana Africana, é comum observar elefantes derrubando árvores para comer as folhas com mais facilidade.

E muitas vezes, eles derrubam árvores à toa, sem razão aparente.

Isso é um instinto que acaba garantindo que as próximas gerações tenham grama pra comer.

E a ideia é reintroduzir os mamutes no parque, uma peça essencial da reconstrução do ecossistema que seria capaz de salvar o mundo de um cenário catastrófico de aquecimento.

Os mamutes fariam o serviço de derrubar as árvores grandes e pisotear a neve, além de terem as maiores fezes, e fertilizarem fortemente as pastagens.

A ideia de Sergey e Nikita é que com os animais certos, esse ecossistema cresça e se espalhe sozinho.

Se isso acontecesse, certamente seria uma poderosa força freando o colapso do pérmafrost e até mesmo recongelando gradualmente certas áreas hoje muito impactadas.

E talvez, sem os mamutes abrindo caminho para as pastagens na floresta, esse ecossistema não consiga se autoperpetuar.

Segundo Sergey,

“Durante muito tempo, o ser humano viu os animais selvagens como inimigos ameaçadores, e agora que entendemos como eles são parte do ecossistema, precisamos deles.”

Então existe uma possibilidade real, de nos próximos anos, termos a chance de visitar mamutes vivos transformando a floresta boreal em uma rica pastagem cheia de milhões de herbívoros. 

Muitos podem criticar com razão, dizendo que isso é mais um movimento comercial do que uma ação ambiental séria.

Será que conseguiríamos produzir manadas de mamutes de forma rápida o suficiente para reverter ou desacelerar o derretimento do permafrost significativamente?

Ou será que o crescimento dessas populações seria tão lento que eles se provariam inúteis?

Até agora, falamos sobre clonar UM mamute, mas vamos precisar de algumas dezenas de milhares, no mínimo para produzir o efeito desejado.

Se demorar demais, temos que pensar em soluções mais imediatas do que os mamutes, por mais incríveis que eles sejam.

Não sabemos se essas populações seriam viáveis e suas interações com o ambiente podem ser imprevisíveis e causar prejuízos ambientais e econômicos incalculáveis.

Será que não vale mais a pena despejar dinheiro em projetos que buscam preservar os animais que nós ainda não perdemos?

Ou será que pensando assim estamos sendo conservadores e abrindo mão de uma ferramenta poderosa para proteger a natureza?

Existem muitas questões a serem respondidas, e as respostas que o nosso tempo vai produzir, impactarão eternamente o futuro da vida na Terra.

Devemos ou não dar uma segunda chance para espécies perdidas?

De qualquer maneira, essa possibilidade veio pra ficar. Historicamente nós só acabamos de descobrir o DNA, e as tecnologias de manipulação de genomas e clonagem podem se beneficiar muito de inteligências artificiais editoras de genes que tornam o processo mais rápido, de meses para horas.

O que faremos com todo esse potencial é algo que a nossa geração terá que resolver, e não vai ser nada simples. Temos que tomar cuidado pra não ressuscitar ideias supremacistas do passado, pregando suas vertentes de superioridade biológica.

Essa mesma tecnologia pode produzir um mundo em que pessoas ricas editam qualquer característica e detalhes desejados na sua prole, criando uma divisão entre pessoas “naturais” e geneticamente planejadas.

Isso também pode ser um recurso revolucionário contra o câncer e doenças degenerativas e condições genéticas que passarão a ser evitáveis.

Mas a clonagem e a possibilidade de desextinção certamente continuarão sendo armas tentadoras na luta contra as mudanças climáticas.

Então é melhor conversarmos sobre isso.

Asssista ao video do canal sobre esse tema e entenda mais!

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